21 de jan. de 2011

Uma aula show depende do(a) professor(a) e aluno(a)


Se olharmos para as mudanças que acontecem no mundo, fica cada vez mais evidente a necessidade do conhecimento e do acesso à cultura para que não fiquemos para trás. Daí a importância da valorização do professor, da professora, que nos facilitam este acesso. Nesta entrevista com o professor Celso Vasconcellos, vemos a necessidade de olhar com mais carinho para os professores, começando com um abraço pelo seu dia.


 Celso Vasconcellos,
professor do Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica LIBERTAD, São Paulo, SP.
Site: http://www.celsovasconcellos.com.br
Endereço eletrônico: celsovasconcellos@uol.com.br

Mundo Jovem: Qual é o perfil do(a) professor(a) brasileiro(a)?

Celso: Não tenho um dado estatístico, mas a maior parte são mulheres que acompanham a Educação Básica, de um modo geral e chega a dois milhões e meio o número de professores que temos na Educação Infantil até o Ensino Médio.

     O(a) professor(a) é uma figura que tem várias faces. Sobretudo a figura de alguém batalhador, que aposta num projeto, que se envolve com uma concepção de humanidade e de transformação, mas ao mesmo tempo vive isso num contexto de muitas dificuldades, com muitas contradições e limites. Há aí uma certa ambivalência. É uma imagem que hoje foi um pouco quebrada, mas que resiste à quebra total. Ela vai teimando em se reconstituir apesar dos limites.


Mundo Jovem: Existe uma distinção entre “ser professor” e “estar professor”?

Celso: Uma coisa preocupante é que ficou fácil no país virar professor(a). O vestibular é fácil para entrar. Existem cursos mais facilitados. Na linguagem do mercado e das competências, tem vestibular que a relação candidato vaga é de menos um por vaga e também existem os subsídios de prefeituras etc. E aí fica fácil fazer o curso.

     Segundo o levantamento do MEC, o Brasil ainda precisa de 30 mil professores e com isso um contigente significativo de pessoas vem se tornando professor sem de fato ter feito uma opção por isto. Se isto é complicado em outras profissões, no magistério é mais ainda porque o desafio é enorme. O magistério exige presença, dedicação, afeto e, se a pessoa não está resolvida do ponto de vista profissional, isto complica muito.


Mundo Jovem: Que professor(a) os alunos esperam?

Celso: Aquele(a) professor(a) que antes de mais nada, os respeite. Isto passa por uma questão básica, fundamental que é a questão da presença ou da não falta. Infelizmente, a gente tem muitas faltas em escolas públicas. O(a) professor(a) faz isto às vezes como uma forma de protesto. Mas o aluno entende isso como um desprezo. A falta do(a) professor(a) gera no aluno um sentimento de que ele não é importante. São poucos os espaços que o aluno tem para ser ouvido e a falta do(a) professor(a) diminui essa possibilidade.

     Para mim o grande lance, hoje, do(a) professor(a) é ajudar o aluno a construir um sentido para a vida. Acho que aí está o grande nó; as pessoas estão meio perdidas e o(a) professor(a) tem uma obrigação social porque ele trabalha com o conhecimento. Ele é um dos elementos intelectuais. Ele teve oportunidade de se apropriar dos elementos significativos da cultura. Ele tem responsabilidade de ajudar os alunos. Não que ele estabeleça um projeto para o aluno, mas no momento em que ele disponibiliza elementos da cultura, o aluno pode constituir o seu próprio projeto de vida. Mais do que nunca o aluno quer um professor que transcenda.

     Alguns professores acham que têm que ser “engraçadinhos”, ter técnicas, recursos. Tudo isso é importante, mas você não sustenta uma relação pedagógica só com computador. Isso é recurso, mas o curso mesmo está ligado à figura do(a) professor(a).

     Há uma certa sede de mística. Não “fazer cabeças” ou fazer catequese, mas ajudar a pensar sobre o que ele está fazendo nessa vida aqui.


Mundo Jovem: Essa idéia se contrapõe àquela idéia de “aula-show” que é uma técnica utilizada em curso pré-vestibular?

Celso: Sim, porque a relação pedagógica, antes de mais nada, é uma relação de formação humana e não de entretenimento. O esforço do professor é tornar a aula o mais agradável possível, mas, parafraseando Einstein, “a gente pode simplificar a ciência o máximo possível, mas não mais do que o possível”. Mais do que isso é banalização. Infelizmente, há um certo processo de estetização: se contrapõe à reflexão, à ética. As pessoas ficam esperando um show, mas no fundo é colocar no outro a atividade. Você é o espectador. Numa aula com outra concepção, as coisas acontecem juntas, pois a participação do aluno é fundamental. A aula vai ser realmente “show” se tiver a participação do aluno e aí terá um outro tipo de fruição; o aluno vai ter o prazer de ajudar a construir e não ver a coisa pronta.


Mundo Jovem: O(a) professor(a) é uma peça chave na Educação?

Celso: Existem levantamentos que mostram a importância da gestão escolar. Realmente são papéis importantes. Mas quando se vê tanta ênfase aos gestores, me preocupa, pois parece que há um reflexo da demissão do(a) professor(a). Se tivéssemos professores mais atuantes, não se daria tanta ênfase aos gestores, como as pesquisas têm revelado. Parece que a escola, para ser boa, tem que ter bons gestores. Mas eu penso que a escola, para ser boa, tem que ter bons professores e eles, inclusive, vão assumir a gestão. O elemento forte é o coletivo de professores.

     O(a) professor(a) tem um papel fundamental e não deve ter medo de ser professor(a). Às vezes existem algumas limitações: “eu não posso falar professor, tenho que falar educador”; “não posso falar em ensino, tenho que falar mediação”... Ensinar não é transmissão somente. A atividade básica do(a) professor(a) é o ensino. Mas ensino é o processo de humanização através da apropriação crítica, criativa e significativa da cultura. Esse é o papel do(a) professor(a), pois conhecimento não se encontra em qualquer lugar.

     Em todo o lugar o aluno pode encontrar informação e não conhecimento, pois conhecimento é uma informação trabalhada, e isto é tarefa de mestre, de professor(a).

Mundo Jovem: A Educação está numa encruzilhada: se sai do giz, do quadro, vai para onde? Como o(a) professor(a) pode lidar com a tecnologia?

Celso: A rigor, a tecnologia cataliza, põe em evidência um problema que está colocado desde sempre, que é o problema da aula meramente expositiva. Mesmo recursos tecnológicos de baixa interação, como o livro, por exemplo, podem ser utilizados de maneira inteligente, sem precisar do computador. Dá para encaminhar em forma de pesquisa e trabalhar em cima das questões que os alunos levantarem depois da leitura. Existem escolas, às vezes com baixíssimo nível tecnológico, trabalhando com projetos, sem computador, sem internet. Isto já significa um outro papel do(a) professor(a). Ele(a) deixa de ser simplesmente o que “dá aula” e realmente acompanha os grupos de acordo com suas necessidades e aí se quebra o currículo disciplinar instrucionista, que infelizmente é ainda muito forte.


Mundo Jovem: Como humanizar a sala de aula?

Celso: Acho que a questão da humanização é a grande demanda: tornar a escola um espaço humano por excelência. A gente teria que perguntar o que é ser humano?

     Uma marca do ser humano é a disposição para aprender. Os animais também aprendem, mas o ser humano tem um desejo muito grande de aprendizagem. E uma outra parte complementar disso é a disposição para ensinar. No animal, isso é restrito. No ser humano, por exemplo, um adulto na relação com uma criança vai tentar ensinar alguma coisa para ela.

     Para mim, humanizar seria a escola se tornar de fato um espaço de ensino e de aprendizagem. O professor acreditar profundamente que o aluno pode aprender. E depois vem a dimensão do amor. A gente sabe que o processo de cognição vai junto com o processo afetivo.

     Quando a gente fala em humanizar a sala de aula é no sentido de trazer a vibração, a alegria, o encontro, o encantamento.


Mundo Jovem: E sobre essa questão do “aprender a aprender”, que também se estende ao(à) professor(a), isso representa uma mudança?

Celso: A rigor, isso não é novidade. Se a espécie humana tem como marca a aprendizagem e o ensino, com a questão da disponibilidade das informações, isto ficou mais claro. No passado até houve quem achasse que se saía da escola formado, pronto. Mas hoje, com a velocidade que tem a produção de conhecimentos, fica óbvio que isso não é possível.

     O “aprender a aprender” não é uma coisa nova, só que hoje está mais evidenciado. O professor precisa estar sentando junto e abrindo os caminhos para entender o mundo. É preciso ter um método para ler a realidade, para estabelecer uma finalidade, ter um plano de ação, agir e avaliar. E o espaço para isso seria na própria escola. O(a) professor(a) está vivenciando e continuamente aprendendo. Isso facilita que ele(a) faça o mesmo com o aluno. Quem não está vivendo o processo de aprendizagem tem dificuldade com a aprendizagem do outro. A pessoa que está vivenciando se torna mais sensível à realidade do aluno e pode ser um melhor “ensinador”.

Escola e mídia

     Muitas vezes, com a pulverização da mídia, os alunos vêm para a escola com interesses alienados. Há um desafio grande. Quando a gente está insistindo no(a) professor(a) como sujeito, na verdade a gente está pensando no aluno. É importante o(a) professor(a) assumir sua condição de sujeito para que o aluno também assuma a sua condição de sujeito.

     Não dá aqui para deixar de falar no Paulo Freire. A primeira grande obra dele: “Educação como prática da liberdade”, onde na primeira página ele diz claramente: “é preciso fazer uma opção, a gente quer a sociedade do ontem, do autoritarismo, da dominação, ou a gente quer a sociedade do amanhã, da libertação, da participação, da emancipação humana?” Por isto a gente precisa de um(a) professor(a) muito bem informado(a). E isto abre um campo para que os alunos possam exercer a sua autonomia com dignidade. O que a gente está vislumbrando mais é o aluno assumindo também o seu papel de protagonista da educação.

     Uma tarefa importante para os jovens é fazer uma leitura crítica dos meios de comunicação. A mídia está fazendo o papel de vender. A escola tem que fazer o papel dela, de motivar os alunos, possibilitar o envolvimento do aluno no processo de educação. A mídia diz assim: “o nosso papel não é educar, é informar”. Só que qualquer campanha que lançam, de qualquer produto, não estão lançando simplesmente uma informação. Eles usam muita psicologia, psicanálise, porque querem formar concepções, gerar necessidades. O argumento cabal em relação a isso é: se de fato a mídia não influenciasse, por que os empresários gastariam milhões com a mídia? Eles não gostam de jogar dinheiro fora. A escola deveria assumir o papel de fazer uma leitura crítica sobre a mídia.

Celso Vasconcellos

     
Fonte: Jornal  Mundo Jovem

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